Do resenhista...

Do resenhista: Sociólogo de Formação, mestrando em Ciências Políticas e graduando em Ciências Econômicas, todos pela UFPA. Amante de cinema e dos jogos de Pokémon! Nascido e domiciliado em Belém do Pará.

domingo, 11 de março de 2012

O Príncipe - Nicolau Maquiavel



Resenha da obra “O Príncipe”, de Nicolau Maquiavel
Por Alan Michel Santiago Nina

Considerado o primeiro pensador da Idade Moderna, Maquiavel dispensa comentários. Seu tratado “O Príncipe” destaca a importância do absolutismo a partir de uma grande ressalva: se, em Dante, por exemplo, o poder do imperador vinha diretamente de Deus (temporal), tal qual o papa (espiritual). Desde a mais remota tradição católica, exemplificada na Bula Unam Sanctorum (Bonifácio VIII), tínhamos a ideia de que todo poder origina do papa. Maquiavel, porém, é enfático, “a origem do poder não é divina, mas se encontra na força” (p.15).

A obra é recheada de passagens clássicas, como as seguintes:
“As crueldades devem ser feitas de uma só vez e não aos poucos, pois as que são praticadas em breve espaço de tempo parecem menos duras e mais depressa são esquecidas. O bem, ao contrário, deve ser feito em pequenas doses, para que o povo o saboreie” (p.18).
Ou ainda no famoso dito “os fins justificam os meios”:
“Faça, pois, um príncipe por vencer e conservar o Estado, que os meios serão sempre tidos como honrosos e dignos de louvor, porque o vulgo é sempre atraído pelas aparências e pelo fato consumado” (p.22).
Vale destacar que o autor está preocupado com a tomada do Estado, seja este despótico, aristocrático ou republicano (este último sendo o mais difícil).
Maquiavel divide os Estados em Repúblicas e Principados (príncipe), sendo que estes últimos podem ser: Hereditários (inteiramente novos ou mistos/anexados) ou Novos.
Os principados hereditários são mais fáceis de assegurar, pois basta manter os costumes. Já os principados mistos esbarram em certa dificuldade (como foi o caso do rei Luís XII da França, cujos erros o fez perder o poder), notadamente o fortalecimento dos estrangeiros e o fato de não ter fundado colônias: “quando alguém torna poderoso o outro, arruína-se, porque aquele poder vem da sua astúcia e da sua força, e uma e outra são suspeitas ao novo poderoso” (p.36).
Um exemplo interessante é quando Maquiavel descreve dois tipos antagônicos de estado baseado nas relações dos ministros. De um lado, temos o Estado turco, onde os ministros eram escolhidos pessoalmente (relação pessoal); de outro, o Estado francês, onde os ministros eram nomeados (relação impessoal). Consequência: o Estado turco era mais difícil de dominar, porém mais fácil de conservar, ao passo que o Estado francês era mais fácil dominar, porém mais difícil de conservar. Os principados novos também são difíceis de dominar e fáceis de manter quando conquistados com armas próprias, mas a lógica igualmente se inverte quando conquistado com armas e virtudes alheias. Percebe-se, portanto, certo pensamento racional na mentalidade de Maquiavel, aproximando seu tratado por algo muito próximo a tipos ideais.
Maquiavel chama atenção para o principado civil, e podemos perceber o quanto o autor via este tipo de Estado com cautela (seria possível não atentar para o peso da democracia nesses escritos?), cuja força estaria em uma cidade bem protegida e com apoio do povo.
Aliás, pensar na segurança do principado remete a um capítulo à parte, sendo as leis e os exércitos um importante sustentáculo. Os exércitos são: próprios, mercenários, auxiliares e mistos. Maquiavel, voltando à discussão do que é próprio ao príncipe e do que lhe é externo, adverte acerca das tropas auxiliares e mistas: “estas armas podem ser úteis e proveitosas para elas mesmas, mas são quase sempre danosas aos que as utilizam, porque, se derrotadas, derrotados estão os que as utilizaram e se saírem vitoriosas passam a dominar os que as solicitaram” (p.71). Nesse sentido, o príncipe deve ter cuidado especial com sua milícia.
Outro trecho sempre lembrado pelo seu impacto, é o seguinte: “É muito mais seguro ser temido que amado”, devendo o príncipe evitar ser odiado. Ora, como se percebe, Maquiavel, inicialmente, analisava o poder do príncipe especialmente entre ele próprio e os estados estrangeiros, porém, seu olhar também está voltado para a relação entre príncipe e seus súditos. Neste sentido, o amor depende dos súditos, ao passo que o temor depende do príncipe, e por isso mesmo o autor destaca este último. Não é à toa que, em seguida, faz a separação entre perigos internos (súditos) e externos (estrangeiros), alertando para o fato de que o povo possui a maior força entre estes entes considerados: “a melhor fortaleza de um príncipe está em não ser odiado pelo povo” (p.99), cujo armamento, inclusive, pode ser feito (desde que o Estado não tenha sido anexado).
Outro fator que muito contribui para a boa imagem do Príncipe é a execução de empreendimentos e prática de atos edificantes, promovendo festas, premiações, honrarias ou mesmo castigos públicos, além de escolher muito bem as pessoas que o rodeiam. Assim, Maquiavel retoma a imagem, além do povo, de três agentes importantes na governança do principado: ministros, conselheiros e bajuladores. Os ministros jamais devem pensar em si, devem pôr o Estado em foco, e se possível, deve ser-lhe concedidas honrarias, cargos e riquezas, conquistando-lhe lealdade. Os conselheiros devem falar somente quando forem solicitados, e sobre o assunto em que forem inquiridos - “Em remate, os bons conselhos, venham de onde vierem, convém que se originem da prudência do príncipe e não da prudência do príncipe dos bons conselhos” (p.108). Os bajuladores devem ser evitados ao máximo.
Em que pese o tom pragmático da obra, Maquiavel, nas segunda metade do livro, começa a explorar o subjetivismo e a contingência das situações em que o príncipe se envolve, como por exemplo: “Um príncipe deve usar, com habilidade, a besta [força] e o homem [Lei]” (p.85), numa clara alusão à educação de Aquiles pelo centauro. Maquiavel usa o famoso conceito de virtude, que ao fato de que a conquista do Príncipe depende em parte da sorte e em parte de suas habilidades. Nota-se que Maquiavel ainda estava preso a uma tradição religiosa onde a dádiva e o provimento divino pesavam sobre nossas ações, porém, é possível perceber, em Maquiavel o germe do pensamento secularizado: Os príncipes italianos perderam seus reinos por incapacidade, não por sorte; o destino governa metade de nossas ações, ao passo que a outra metade depende de nós.
É discutindo livre-arbítrio e circunstâncias do meio que Maquiavel fecha a obra, a qual, diga-se, foi escrita sob encomenda para subsidiar as decisões de Lorenzo de Médici, príncipe de Florença, numa tentativa (desesperada) de sair da pobreza, o que infelizmente não ocorreu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário