Do resenhista...

Do resenhista: Sociólogo de Formação, mestrando em Ciências Políticas e graduando em Ciências Econômicas, todos pela UFPA. Amante de cinema e dos jogos de Pokémon! Nascido e domiciliado em Belém do Pará.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Augusto Cury - O futuro da humanidade


Resenha da obra “O Futuro da Humanidade”, de Augusto Cury.
Por Alan Michel Santiago Nina

Elaborar uma resenha da obra “O futuro da humanidade”, do famoso psiquiatra brasileiro Augusto Cury, é uma tarefa ímpar. Primeiro, porque se trata de um best-seller consagrado, inclusive internacionalmente, o qual abarca leitores heterogêneos: desde adolescentes amantes de uma boa leitura a acadêmicos críticos do sistema. De fato, o autor dialoga com um público amplo, usando, às vezes, uma linguagem um pouco mais técnica, embora nunca perca sua simplicidade em contar uma história ou em transmitir uma idéia. Porém, o diferencial da obra é seu poder de falar com o coração, falar sobre sentimentos. É um livro que toca a alma.


De fato, os manuais de metodologia apresentam uma série de técnicas para se elaborar uma resenha, ensinando sobre a estrutura do texto, as palavras adequadas e, principalmente, toda a formatação a ser empregada. As ciências, ao longo dos anos, desenvolveram tais técnicas como meios sofisticados de se transmitir conhecimento, sendo certamente essenciais para a sua ampla divulgação. No entanto, seria pueril falar sobre “O futuro da humanidade” apenas sob o ponto de vista técnico, a obra merece ser lida pelo simples fato de fazer o leitor ir às lágrimas, repensar sua própria trajetória, suas ações, seus comportamentos, seus valores, além de reavaliar os rumos de nossa sociedade.

Ou seja, paradoxalmente a obra tem a Ciência como pano de fundo, em especial a medicina e a psicologia. Marco Polo, personagem principal da trama, é um jovem estudante de Medicina, cujo objetivo é tornar-se um grande psiquiatra. Na obra, acompanhamos o amadurecimento profissional e pessoal do jovem, discutindo, principalmente, o papel da Medicina e seu poder, através da psiquiatria, de intervir na sociedade, ou melhor, na psique dos indivíduos dessa sociedade.

Mas como uma obra que apresenta pressupostos da Ciência pôde ser escrita com tanto sentimento? Razão (ciência) e emoção (sentimento) não estariam em lados contrários?

A união dessas duas perspectivas é melhor compreendida se comparada a outra obra clássica, “O Tao da Física”, do físico Fritjot Capra. Neste, o autor aproxima os pressupostos da Física Moderna (física quântica) com as bases das religiões orientais, em especial o taoísmo e budismo, mostrando o quão próximo da fé a ciência está. Assim, Cury também faz uma importante aproximação entre ciência e emoção, rompendo com a Psiquiatria Clássica, e, através dos dramas dos personagens, defende uma psicoterapia humana, social, e não biológica ou rígida.

Marco Polo é um estudante de Medicina curioso, que não se contenta com respostas prontas. Na aula de anatomia, ele questiona seu professor sobre os corpos que iriam estudar, não os tratando apenas de forma instrumental: aquelas pessoas tinham uma história de vida, sentimentos que estavam ocultos.

Augusto Cury imediatamente deixa claro seu pensamento e a mensagem a ser transmitida: todos nós, enquanto seres humanos, temos individualidade e características que nos fazem únicos, especiais, atores de nossa própria história. Não importa se já estamos mortos, se somos pobres, se somos mendigos ou se estamos internados em hospícios, mas todos nós carregamos particularidades que não devem ser desprezadas. Os colegas de classe de Marco Polo, inicialmente, tomam um choque com os cadáveres, mas depois seus olhos se acostumam com a cena, e parecem “se acostumar com o caos”. Marco Polo, porém, não se contenta, e a partir deste instante começa sua aventura.

Ao buscar as verdadeiras identidades dos corpos na sala de anatomia, Marco Polo acabará se encontrando com Falcão, outro personagem singular da obra. Falcão é um morador das ruas, e é o responsável por apresentar uma visão verdadeiramente humana a Marco Polo, ensinando-o a questionar: a sociedade de consumo; o mundo das aparências, do dinheiro, das imagens; os padrões sociais autoritários, os quais contribuem para a perda da espontaneidade; e a busca do próprio homem em viver neste mundo sem valores.

Aos poucos vamos descobrindo que Falcão não é só um grande intelectual, mas também vamos percebendo que o próprio Falcão precisa lhe dar com seus problemas interiores e, com a ajuda do novo amigo, Marco Polo, ele finalmente consegue dar um salto qualitativo em sua vida.

Vale ressaltar que o livro é baseado em dois atos. No primeiro, vemos Marco Polo buscando respostas, aprendendo com Falcão, o seu mestre, e revelando a verdadeira identidade do cadáver que estava estudando na sala de anatomia, mostrando ao seu professor que aquele corpo possuía uma história singular a ser contada, culminando com o reencontro de Falcão consigo mesmo e com os traumas que havia deixado no passado. Na segunda parte da obra, acompanhamos a trajetória profissional de Marco Polo: a sua formação no curso de Medicina, sua passagem no Hospital Atlântico, onde fez especialização e conheceu pessoas que mudaram o rumo de sua vida, e suas aventuras como professor universitário, quando enfrentou aprovações e desaprovações, mas também foi quando conheceu o amor da sua vida.

No entanto, a passagem entre um ato e outro da obra é feita com brilhantismo por Augusto Cury, pois, de um lado, temos o mundo das ruas, onde Falcão vivia e, de outro, um mundo mais acadêmico, que é o de Marco Polo. Um parece ser simples e carregar os personagens marginalizados da sociedade, enquanto o outro parece ser complexo e ser o berço da elite. No entanto, Cury apresenta, através de Marco Polo, a idéia do “princípio da corresponsabilidade inevitável”, o qual significa que todos são corresponsáveis pelo futuro da sociedade, sendo interligados os diversos sistemas:
“Nossos comportamentos afetam de três modos as pessoas: alteram o tempo delas; alteram a memória delas, através do registro desses comportamentos; e alteram a qualidade e freqüência das suas reações. Alterando o tempo, a memória e as reações das pessoas, modificamos seu futuro, sua história” (p.87)

Com isso, Augusto Cury mostra a interdependência entre os seres humanos, que embora dotados de individualidade, não se confundem com individualismo, isto é, nossas emoções, aprendizados, amores são sempre compartilhados, além disso, nossas ações afetam os demais.

Todos nós temos esse poder. Em uma passagem belíssima, Augusto Cury mostra o poder dos noticiários, os quais mostram cenas chocantes, de fome ou violência, por exemplo, e logo em seguida apresentam uma outra notícia qualquer, ou seja, essa ato faz com que nós percamos a sensibilidade e o poder de reflexão sobre as condições de miséria.

No entanto, a obra se centra num tipo de poder único, que é o de controlar a mente das pessoas, desenvolvido pela psiquiatria e pela psicologia. Assim, vamos acompanhando Marco Polo desenvolver suas idéias junto a uma série de personagens fascinantes, muitos dos quais pacientes do Hospital Atlântico.
Augusto Cury mostra que os tratamentos psiquiátricos não devem ser desenvolvidos prioritariamente a base de remédios, e os dois motivos principais são:

a)      A Medicina, ao querer eliminar a dor, corre o riso de analisar a dor pela dor, esquecendo-se de olhar para a pessoa humana que a carrega e, com isso, perdendo sua visão humanista;

b)      A solução que toma como base a busca de remédios é de interesse das indústrias farmacêuticas, as quais pretendem com isso não atuar na prevenção, mas simplesmente estimular o consumo dessas drogas, para auferirem lucros cada vez maiores.

Marco Polo desenvolve técnicas que vão além da pura medicação, pois aprendeu com Falcão a tratar cada ser humano como um indivíduo singular, dotado de emoções próprias. Ao longo de sua jornada, ele realizou uma série de procedimentos que o tornou um profissional ora odiado pelos mais conservadores, ora muito respeitado, principalmente pelos seus pacientes, uma vez que Marco Polo visava: tratá-los com respeito; não rotulá-los; procurar entendê-los; sensibilizá-los; estimulá-los a desenvolver a espontaneidade; perceber a história de vida de cada pessoa.

Evidentemente, Marco Polo sofreu resistências, entre elas do autoritário diretor do Hospital e de certos acadêmicos (renomados) que insistiam em seguir as normas esperadas ou que simplesmente viam os tratamentos psicoterápicos somente com o víeis de doença a ser tratada à base de remédios. Ou o que é pior, viam os pacientes como seres inferiores, estigmatizando-os.

Assim, a segunda parte da obra é realmente emocionante, mostra como Marco Polo se interessava pela história de vida de cada personagem, de como ele, com sensibilidade, fazia desabrochar o lado mais humano dentro de cada um. Por onde passava, Marco Polo irradiava luz e encanto, resgatando a emoção através de sua profissão. Falar com flores, beijar árvores ou dançar, longe de serem comportamentos insanos, eram a busca pelo reencontro consigo e com a natureza, ou seja, era se encantar com o ambiente externo, o qual parece cada vez mais frio e sem vida.

O futuro da humanidade, aludido no título da obra, trata da quebra de paradigmas elitistas, muito provavelmente desenvolvido pelo iluminismo: A Ciência produziria uma elite superior, e as leis do mercado passariam a comandar a ética dessa elite. O que Augusto Cury faz não é precisamente uma crítica ao capitalismo no sentido econômico, mas uma crítica aos valores sociais deste capitalismo selvagem, e para isso utiliza a própria Ciência, pois não se trata de eliminar o conhecimento científico, mas sim de transformá-lo, de humanizá-lo.

Talvez o leitor se surpreenda com este desfecho, pois os mais céticos acham inconcebíveis unir emoção e razão, ciência e fé. Não podiam estar mais enganados. Esquecem que o ser humano é integral. Por esta razão, os últimos capítulos são destinados a fazer com que acompanhemos a trajetória amorosa de Marco Polo com Anna, por quem desenvolve um verdadeiro relacionamento, o qual contraria os interesses materiais do pai de Anna, o rico e arrogante Lúcio. Entretanto, Augusto Cury apresenta um final feliz para o casal, ou melhor, um final de continuação implícita, pois não se resume ao fato de conseguirem ficar juntos, afinal, a vida de um casal passará por percalços e desafios que certamente serão bem vividos se reinar o amor verdadeiro entre eles.

O que Augusto Cury quer mostrar em “O Futuro da Humanidade” é uma preocupação com o “reencantamento do mundo”, termo muito utilizado pela sociologia francesa. Maffesoli (1994), por exemplo, percebe esse reencantamento em ações pontuais e em grupos de identidades partilhadas (tribos urbanas, por exemplo). Augusto Cury, porém, cria uma história que, embora fictícia, utiliza inúmeros aspectos reais, pois além de utilizar termos científicos, muitos dos seus personagens foram criados a partir de sua própria experiência na área. Assim, seria possível resgatar a nossa humanidade nos ambientes mais inóspitos, rígidos e autoritários? Sem dúvida, a obra de Augusto Cury não apenas estimula a vencermos este desafio, mas imprime a idéia de que é urgente mudarmos nosso comportamento: “o futuro da humanidade já começou”.

E é interessante notar que este processo atinge a todos os sistemas (basta lembrarmos-nos da teoria do princípio da corresponsabilidade inevitável), e não importa a classe social a que pertença. Por isso, dizemos que não se trata de uma crítica destrutiva do capitalismo. Certamente é uma obra que, dada a simplicidade, pode ser lida por todos os tipos de leitores, até mesmo para aqueles mais críticos do sistema econômico em que vivemos, pois valem os questionamentos: o que estamos fazendo para mudar o mundo? Seria justo pensarmos que uma Revolução seria feita somente em termos materiais? Quais são os valores que estamos ajudando a reproduzir e, por conseguinte, o próprio sistema, muitas vezes inconscientes? Embora perguntas diretas, são demasiadamente complexas.

Mesmo que o livro seja um convite à auto-reflexão e ao encontro de si mesmo, “O Futuro da Humanidade” escapa às soluções unicamente individualizantes da busca pela felicidade: o eu é compreendido dentro de diversos sistemas, dentro das próprias relações sociais, em que pese o poder privilegiado da psiquiatria e da psicologia. O eu é a parte e o todo da nossa humanidade. E é este, certamente, o maior mérito da obra.

REFERÊNCIAS 

CURY, Augusto Jorge. O futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Sextante, 2005.

MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

Um comentário:

  1. Elaborar uma resenha da obra “O futuro da humanidade”, do famoso psiquiatra brasileiro Augusto Cury, é uma tarefa ímpar. Primeiro, porque se trata de um best-seller consagrado, inclusive internacionalmente, o qual abarca leitores heterogêneos: desde adolescentes amantes de uma boa leitura a acadêmicos críticos do sistema.

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