Do resenhista...

Do resenhista: Sociólogo de Formação, mestrando em Ciências Políticas e graduando em Ciências Econômicas, todos pela UFPA. Amante de cinema e dos jogos de Pokémon! Nascido e domiciliado em Belém do Pará.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Robert Heilbroner: a história do pensamento econômico


Resenha da obra “A história do Pensamento econômico”, de Robert Heilbroner.
Alan Michel Santiago Nina

Os livros científicos, diferentemente de um romance, devem primar pela objetividade, imparcialidade, metodologia e sistemática, próprias à linguagem acadêmica. Toda ciência possui essas regras como características de um discurso distintivo, unívoco, universalista. Pode-se dizer que a Ciência Econômica, como ciência e como discurso, não é uma exceção. No entanto, toda Ciência também amadurece, e acumula teorias, muitas vezes divergentes, possibilitando revisitá-las a partir do momento em que este acúmulo já se percebe razoavelmente denso. Uma obra como “A história do pensamento econômico”, do economista americano Robert Heilbroner, escrita em 1953 (cujo título original era “The wordly Philosophers”, ou “Os filósofos profanos”), revisitando os grandes pensadores da Ciência Econômica e suas mais importantes contribuições para este campo do saber, tem sua gênese marcada por esse movimento: o amadurecimento da Economia como Ciência e a necessidade de se olhar para “trás” para se compreender os caminhos que foram até então percorridos.


Entrementes, a narrativa desta obra, longe do rigor acadêmico e das metódicas demonstrações racionais, é escrita com a mesma leveza em que se escrevem grandes biografias (aliás, a maior parte das referências do livro é de biografias). A cada capítulo é apresentado um grande teórico das Ciências Econômicas, muitas vezes o “pai” de determinada corrente, cuja descrição perpassa não apenas pelas suas contribuições científicas, mas também em termos de sua personalidade, tal qual nas biografias, dotado de sentimentos, de perspectivas singulares, ou muitas vezes com uma vida familiar e privada conturbada. A respectiva teoria econômica desenvolvida por determinado pensador, embora nunca encarada como apêndice, se apresenta no momento posterior ao seu autor, neste sentido, o leitor adentra na narrativa de Heilbroner percebendo o quanto a construção do conhecimento é feita por pessoas de carne e osso, envolvendo paixões, visões de mundo, posições de classe e disputas políticas que parecem longe do ideal positivo de uma ciência imparcial, porém, carregam o seu metodismo.

Ou seja, de uma lado, temos as Ciências Econômicas em um avanço contínuo de acúmulo teórico; do outro, os atores que contribuem para esse desenvolvimento, os chamados “filósofos profanos”. O autor jamais incita o leitor a considerar os grandes economistas como deuses, pelo contrário, sua obra os torna humanos, cheios de vicissitudes, são oriundos das mais diversas classes sociais, há alguns que “jamais conseguiram dominar a mais elementar economia de suas finanças pessoais” (p.17), no entanto, todos eles com percepções e idéias dignas de serem registradas.

Mas apesar da obra trazer à tona este elemento mais pessoal dos autores, jamais se entrega ao subjetivismo puro, uma vez que o autor está mais preocupado com os conceitos econômicos (a obra é bastante didática). Heilbroner é um escritor eminentemente moderno, ainda preocupado em manter a veracidade do discurso econômico, suas prerrogativas e seus métodos. Isso fica muito claro, em especial, no confuso capítulo em que caracteriza como “insanos” alguns teóricos do “Subterrâneo da economia”. No entanto, esta visão mais tradicional (nunca conservadora!) em nada prejudica o brilhantismo da obra, afinal, Heilbroner nunca se sobressai: na obra, os economistas apresentados são verdadeiramente os atores principais. Além disso, para melhor entendermos esse grande livro de Heilbroner, é salutar perceber um ponto importante:

A leitura de algumas obras de Max Weber nos deixou uma impressão: a razão como um pêndulo, cujo movimento oscilante era delimitado nos seus dois extremos pela irracionalidade da valorização subjetiva. Num dos extremos encontramos o sujeito cientificamente desamparado, digladiando-se com os “Deuses e demônios” que habitam suas esferas de valores. Por essa situação necessariamente terá de passar todo aquele que procure o objeto de sua ciência. A partir deste ponto, o pêndulo percorrerá o rigoroso caminho da metodologia, que tende a garantir a validade e objetividade do conhecimento científico. Levando na sua inércia o rigor do método, ele continuará pelo vacilante e discutido arco da política até o outro extremo, no qual encontramos, impossibilitado de recorrer a razão, o sujeito imerso na sua esfera valorativa. Por isso passará todo aquele que ouse fazer da política a estrela-guia de sua vida. (SAINT-PIERRE, 2004, p.10).

Ou seja, a teoria pura e abstrata está restrita às ilusões dos filósofos até o século XVIII. A partir de uma visão mais holística, percebe-se que as ciências, em especial as ciências humanas e sociais, carregam inevitavelmente não apenas os valores de sua época, mas os valores de seus principais criadores, sempre representando determinada visão de mundo e em combate com o contexto histórico, político e social em que vivem. De fato, Heilbroner indica este fato não apenas em sua conclusão, mas também de forma indireta, no próprio desenvolvimento da vida e obra de cada autor.

Evidentemente, este posicionamento em nada exclui a objetividade da teoria, mas apenas a faz situar em um ambiente histórico e político. Na obra, apesar do autor não adentrar nesta discussão, fica claro que ele consegue transmitir com dignidade tanto o contexto histórico quanto as visões de mundo desses grandes pensadores da Economia.

Iniciando a análise per si da obra, percebemos que os dois primeiros capítulos, junto com o prefácio, são escritos com intenções bem diferentes dos capítulos posteriores. Pode-se dizer que Heilbroner estava preocupado não apenas em humanizar os economistas sobre os quais iria se ater, mas também em humanizar a si próprio e aos leitores, estudantes de Economia. O autor relata desde a escolha do título, até o momento em que iniciou sua idéia para escrever a obra, descrevendo resumidamente sua própria história, o que contribui para deixar as primeiras páginas do livro bem leve. A forma prosaica de Heilbroner em contar certos percalços acadêmicos faz com que o leitor realmente se interesse pela sua história, mas jamais a obra perde o foco principal. Aliás, nem sequer há o engrandecimento da Ciência Econômica, pois ela própria é entendida como uma criação histórica.

Heilbroner está consciente da importância da Economia e de seus autores, e embora os dois primeiros parágrafos de sua “Introdução” sejam quase um ode aos economistas, as páginas subsequentes mostrarão que as idéias desenvolvem-se de forma sofisticada, no todo social, muitas vezes carregando valores que escapam aos seus autores. Marx, por exemplo, diria que não era marxista. Keynes, definitivamente, não se dava conta de seu legado, talvez nem mesmo Adam Smith. Neste sentido, conhecer a “História do pensamento econômico” perpassa por vislumbrar as implicações sociais de toda a sociedade, e essa mensagem Heilbroner consegue transmitir. Tanto é verdade, que o segundo capítulo trata justamente de apresentar o contexto histórico que antecedeu ao aparecimento dos “filósofos profanos”.

Heilbroner analisa o surgimento da Economia (e, consequentemente, dos economistas) tomando como base as noções modernas de ciência e racionalidade. Ou seja, a Economia entendida como discurso racional sobre a questão da riqueza e do “sistema de mercado”, o qual não era mais explicado pelos costumes ou impostos à força. Ele chama de uma “Revolução Econômica” a esta forma mais pragmática e ascética de se olhar o mundo, especialmente o mundo material. Assim, conceitos como lucro, avareza, mercado, terra, trabalho, capital, propriedade são postos à discussão, analisados com ferramentas da ciência moderna, ou seja, racionalmente, influenciados pelos movimentos humanistas (Renascimento e Iluminismo).
No entanto, a Economia, apesar de nascer de uma leitura crítica, também carregará os valores do capitalismo até então nascente. De certa forma, Adam Smith tem o mérito de sistematizar esse emaranhado intelectual na obra Inquiry into the nature and Causes of the wealthy of Nations (Estudo sobre a natureza e a causa da riqueza das nações), de 1976, marcando definitivamente o nascimento da Ciência Econômica.

Os profanos

A partir do terceiro capítulo, o autor desenvolve oito tópicos com estruturas similares: apresentação de pensadores, da vida privada à profissional; descrição histórica e social do ambiente em que viviam; apresentação de suas idéias; confrontações e aceitações dessas idéias dentro de determinado contexto; e modo pelo qual este pensamento foi acatado no corpo teórico geral da Ciência Econômica. O ritmo é regular e bem expositivo. A leitura da obra lembra dois outros grandes clássicos deste tipo de literatura, cujo objetivo é sintetizar os paradigmas de determinado saber: “O Mundo de Sofia”, para a Filosofia, romance escrito pelo norueguês Jostein Gaarder, publicado em 1991; e “O Homem que calculava”, para a Matemática, do brasileiro Júlio César de Mello e Souza (pseudônimo Malba Tahan). Tal qual a obra de Gaarder (1995), o trabalho de Heilbroner segue o percurso histórico linear na forma de apresentar as sucessivas idéias econômicas. Porém, seguindo a lógica da obra de Tahan (1986), percebemos que a “A história do pensamento econômico” preza pelo rigor acadêmico, em que pese um punhado de curiosidades a respeito da vida de cada filósofo profano apresentado. Para muitos, o livro torna-se mais interessante pelas informações a respeito da biografia dos autores, as quais, em determinados momentos, parecem ter sofrido uma pesquisa mais apurada. Até porque, a intenção era apresentar indivíduos comuns, dotados de individualidades, embora gênios da Ciência Econômica.

O primeiro pensador que Heilbroner apresenta é, logicamente, Adam Smith (1723-1790). Distraído e estranho. Antes de tudo, um grande filósofo (foi amigo de David Hume). Heilbroner apresenta Smith dotando-o de ares excêntricos, e de como sua boa fama como professor lhe rendia um certo status. É interessante notar que Heilbroner constrói um Smith muito mais preocupado com a questão moral: “ele está interessado em pôr a nu o mecanismo pelo qual a sociedade se mantém unida” (p.52). Isso se deve ao fato de que Heilbroner, assim como a grande maioria dos economistas, vê com desconfiança o liberalismo clássico, envelhecido pelo tempo. Ou seja, situando no tempo a “mão invisível” ou as “leis do mercado”, percebe-se que, antes de serem construções econômicas, revelam o lado filósofo do Smith preocupado com a harmonia social. Mesmo quando apresenta a sua Lei da Acumulação, o autor chama a atenção para a preocupação moral de Smith em função da própria acumulação fútil.

Ou seja, as Ciências Econômicas nasciam com Smith, a partir do qual ganhavam um valor social inestimável: “em uma palavra, [Adam Smith] descobriu no mecanismo do mercado um sistema auto-regulador que gera um aprovisionamento organizado para a própria sociedade” (p.57). O “Mercado”, então, passava a ser um ambiente autônomo, passível de ser estudado, e inexoravelmente ligado a toda nossa vida social, pois estudá-lo implicava não apenas em reconhecer um ente próprio, mas também perceber que este ente mantinha certos laços sociais.

Assim, Smith estudou termos como oferta e demanda, e percebeu como os homens agem quando são deixados a atuar no mercado e em busca de seus próprios interesses. Porém, como Smith jamais se descuidava da questão moral, a própria harmonia social, segundo ele, era proveniente da busca pelo interesse próprio: quando um indivíduo busca obter o máximo de lucro em determinado produto, por exemplo, ele deve oferecê-lo até certo limite de preço, pois, do contrário, seus concorrentes irão oferecer a preço mais barato, da mesma forma que os consumidores buscam maximizar suas satisfações ao procurar por produtos mais baratos. Apesar de compradores e consumidores buscarem suas próprias satisfações, percebe-se justamente que há um equilíbrio entre eles e o sistema se perpetua, logo, há uma harmonia social.
Portanto, Smith preocupa-se justamente com esse complexo, com essa coesão. Inclusive, o próprio autor critica Smith por essa perspectiva, o qual não destacava possíveis conflitos sociais, apesar de que entendia o momento histórico em que vivia Smith: o nome do capítulo, “O Mundo Maravilhoso de Adam Smith”, retrata isto com uma certa dose de ironia. No entanto, era um discurso profundamente pertubador para a época, pois naturalizava e defendia a busca pelo lucro, pela riqueza, pelo não-intervencionismo (laissez-faire) e pela aceitação do mercado como espaço comum aos membros da sociedade, o que entrava em choque com uma visão bastante sacralizada que ainda persistia no século XVIII.

Em seguida, o autor apresenta Thomas Malthus (1766-1834) e David Ricardo (1772-1823). Foi interessante a forma apresentada: Heilbroner mostrou a disputa intelectual entre dois pensadores, sem, contudo, apontar um vencedor. O capítulo todo é escrito como se estivesse narrando um embate. No entanto, em essência, ambos davam uma visão econômica pessimista para o futuro da humanidade, tanto que o capítulo se intitula “Os sombrios pressentimentos do pároco Malthus e David Ricardo”.

Malthus acreditava que o crescimento da população chegaria a tal nível que iria superar a produção de alimentos. Já Ricardo, usando uma linguagem densa e metódica, dedica-se ao estudo do trabalho produtivo, chegando a conclusão de que todo trabalho gera excedente econômico, mas a terra, como um bem, parece estar deslocada deste processo, e não tem influência na determinação do valor, por isso ele não via com bons olhos a classe ruralista.

Heilbroner percebe que Ricardo é muito mais acadêmico em suas explicações. Ricardo estudou a fundo a teoria do valor trabalho, para entender a composição do capital. Já Malthus, na sua visão de confronto entre quantidade de alimentos e população, dedicava-se mais às atividades práticas, opondo-se, por exemplo, a projetos que visavam à construção de casa para trabalhadores, pois na visão dele, o fato do mundo estar mais e mais habitado causava a miséria, e toda ação que contribuísse para tal devia ser evitada. Ou seja, Malthus, mesmo tendo uma excelente formação, se detinha aos problemas reais que estavam acontecendo à sua época, ao mundo político, enquanto Ricardo fazia fama como teórico. Nas palavras do autor: “era muito estranho que Malthus, o acadêmico, fosse o interessado nos fatos do mundo real, e Ricardo, o homem de negócios, fosse o teórico” (p.80).

Heilbroner cita algumas medidas atuais que lembram as idéias de Malthus, como o Controle de Natalidade feito, no século XX, em alguns países subdesenvolvidos, justamente tendo como base a relação entre progressão demográfica e a quantidade de mantimentos úteis a manter o nível de sobrevivência dessa população. No entanto, sabe-se que o problema maior é da forma de distribuição dos recursos, e não propriamente de uma Lei que leve à sociedade à beira do abismo, porém, Malthus expôs essa contradição e praticamente foi o responsável por decretar a interdependência dessas variáveis (Heilbroner cita os neomalthusianos, e de como se explica a riqueza da classe alta por essa relação, que recai sobre a diferença no número de filhos).

De certa forma, Ricardo também expôs o limite da terra em prover todos os bens necessários à sociedade, mas sua explicação era mais voltada à questão política que se percebia das relações entre os donos de terra e os capitalistas. Os grandes industriais e os trabalhadores se submetiam às regras de mercado (muito parecido a que Smith havia formulado), o que estipularia o valor dos salários e das rendas dos empregadores, no entanto, os grandes donos de terra teriam uma vantagem sobre as demais classes, pois apesar de não realizar trabalho produtivo, vê aumentar cada vez mais o valor da renda de sua terra. Aliás, Ricardo expôs uma economia liberal dividida em classes e interesses, e esse jogo estava longe de acabar, pois ele também acreditava que a demanda por mercadorias era ilimitada, ao contrário de Malthus, que acreditava justamente no oposto, a chamada “pletora geral”, a qual seria “uma onda de excesso de mercadorias sem compradores” (p.96).

Embora às vezes seja confuso e entremeado por teorias, ora de Malthus ora de Ricardo, Heilbroner entrega um capítulo à altura, fazendo o leitor pensar sobre conflitos, interesses e divergências entre idéias hegemônicas presentes na Economia.

Em seguida, Heilbroner apresenta os “Socialistas Utópicos”. O autor inicia o capítulo descrevendo as péssimas condições das fábricas, numa Europa já transformada pela Revolução Industrial.

Narrando as horrendas condições de trabalho, Heilbroner justifica a visão crítica de certos indivíduos para esse sistema de produção que parece desumano. O primeiro desses pensadores é Robert Owen (1771-1858), chamado de “o benevolente Sr. Owen de Nova Lanark”. Um homem de origem simples, cujo perfil é o que chamaríamos hoje de um grande “empreendedor”, começou a trabalhar desde 10 anos de idade, à base de empréstimos, e aproveitando as oportunidades, chegou a tornar-se proprietário industrial.

Suas idéias começaram a ganhar notoriedade quando ele propôs as chamadas Aldeias de Cooperação, que seriam unidades produtivas, objetivando um ambiente com melhores condições de trabalho, reduzida jornada e voltado para as classes pobres, bem como ao trabalho regulamentado de menores. Owen aventurou-se na América a fim de implementar suas idéias, mas Heilbroner não hesita ao prognosticar não apenas o fracasso do empreendimento, mas também suas influências positivas na classe trabalhadora, cuja consciência de classe, até aquela época, era muito dispersa.

Em seguida, Heilbroner apresenta Henri de Rouvroy de Saint-Simon (1760-1825), um nobre, mas que se deixou influenciar por idéias mais democráticas. Durante sua vida conturbada (Heilbroner cita, por exemplo, o tempo em que o jovem Saint-Simon esteve na prisão), Saint-Simon dedicou-se, com as reservas que tinha, ao conhecimento enciclopédico, aprofundando-se nas leituras, e à medida que acumulava mais conhecimento, sua fortuna ia decaindo. Ele criou um fervoroso grupo de adeptos, conhecidos como saint-simonistas, numa espécie de religião industrial, pregando a sua famosa idéia: "a cada um segundo sua capacidade, a cada capacidade segundo seu trabalho”. Saint-Simon permaneceu, até o fim da vida, da base de suas reservas e, depois, de doações, e diferentemente dos outros utópicos ele permaneceu muito mais no campo das idéias.

No entanto, Charles Fourier (1772-1837), com uma vida extremamente conturbada, foi quem de fato pareceu ser o mais ambicioso dentre os utópicos. Ele projetou o chamado falanstérios, um arranjo de um Grande Hotel, com um edifício centralizador, onde se trabalharia por prazer, os lucros seriam divididos, a educação voltada para a vida moral e do trabalho. Heilbroner descreve esse pequeno quadro em uma única página, e parece admirado com a idéia, chamando-a de “paradisíaca”, e seus projetores, de sonhadores.
No mesmo capítulo, porém, Heilbroner apresenta John Stuart Mil (1806-1873), um economista que valoriza o utilitarismo, pensamento que ficou mais evidente ainda quando comparado aos utópicos. Neste sentido, chamo a atenção para a perspicácia de Heilbroner: apresentando os socialistas utópicos como grandes sonhadores, fantasiosos etc., a contraposição a esse ponto de vista, neste caso, o utilitarismo, ganha força quando ele, imediatamente, introduz o leitor às idéias de Mill, um pensador de conhecimento enciclopédico, à frente da sua época (basta dizer que ele, por exemplo, tinha simpatia por algo ainda meio difuso, conhecido anos depois como “feminismo”).

O principal legado de Mill, segundo Heilbroner, foi mostrar que “o verdadeiro âmbito da lei econômica era a produção e não a distribuição” (p.123). Assim, distribuição de renda, por exemplo, era mais ligado a costumes ou relações políticas, e estava longe de ser um problema solucionável por simples decisões de economistas. Com isso, a sociedade parecia mais vulnerável, existiam batalhas a serem travadas que estavam além de uma simples “liberdade de mercado” (Heilbroner cita que os capitalismos do New Deal ou os Estados de Bem-estar social seriam conseqüências lógicas desta visão de mundo). Com seu faro crítico impressionante, vale à pena reproduzir uma brilhante passagem de Mill sobre uma possível sociedade comunista:

A questão é se haveria alguma proteção para a individualidade de caráter; se a opinião pública não seria um jugo tirânico; se a dependência de todos por todos, se a vigilância de todos por todos não iriam reduzir todos a uma insípida uniformidade de pensamentos, sentimentos e ações... Nenhuma sociedade na qual a excentricidade é motivo de punição pode formar um estado coeso. (MILL, apud HEILBRONER, 1996, p.126)

Com Mill, a Economia era vista como um ramo de conhecimento interdependente às questões culturais, sociais, políticas, filosóficas, cujas soluções perpassavam, necessariamente, por um estudo do ser humano em sua forma mais completa. Heilbroner, portanto, destaca esse sentimento holístico e humanista, necessário para compreendermos o grande passo que viria posteriormente, não apenas para a Ciência Econômica, mas para a História do Conhecimento: o Socialismo Científico. Como já foi dito, Heilbroner é um autor moderno, que ainda acredita no potencial da ciência. Ao falar dos utópicos como sonhadores, e logo em seguida inserir Mill, fica evidente essa característica do autor a que estamos aludindo.

O capítulo seguinte introduz o leitor às idéias de Karl Marx (1818-1883). Heilbroner apresenta o cenário europeu que se via àquela época, em especial o ano de 1848, marcado, na França, por intensos conflitos e disputas de poder. Foi exatamente neste ano que Marx lançou, junto com seu companheiro Friedrich Engels (1820-1895), a obra “O Manifesto Comunista”, pequeno livro onde continha o cerne do pensamento político de Marx.

Heilbroner, antes de adentrar no Marx teórico, fala criticamente a respeito da figura feita em torno de Marx, muitos o endeusando. Talvez seja por isso que o autor tenha se detido, de forma razoável, a mostrar as características da personalidade e da vida privada de Marx, seu tratamento com a família e seu amadurecimento físico e intelectual, mostrando-o como um tipo mais recatado: tudo isso serve para humanizar sua figura. As passagens descritivas de Marx parecem contrastar com a energia e vitalidade de seu companheiro, Engels, o qual era mais alegre, extrovertido, amante dos prazeres burgueses e um grande proprietário, sendo que a sua obra sobre a condição de trabalho das classes operárias fez com que ganhasse a simpatia de Marx.

Heilbroner reconhece a dificuldade de escrever sobre Marx, uma vez que este é considerado não apenas um grande economista, mas um grande intelectual, influenciado pelas mais profundas teorias ocidentais, como a dialética de Hegel, a economia política clássica da Inglaterra, o materialismo alemão e o socialismo francês. Suas maiores contribuições, as bases do materialismo histórico dialético e a mais profunda análise e crítica ao regime capitalista até então já feitos, são o suficiente para elevá-lo a um patamar de destaque na história do conhecimento. Apesar de sua influência direta e indireta em diversas áreas, entre as quais História, Ciência Política, Filosofia e Sociologia, sua importância à Economia reside justamente da própria concepção materialista dialética:

De acordo com esta concepção, as causas finais das mudanças sociais e das revoluções políticas devem ser vistas, não na mente dos homens nem em seu crescente impulso em direção da eterna verdade e da justiça, mas sim nas mudanças das maneiras de produção e de troca; devem ser vistas não por meio da filosofia, mas sim da economia da época concernente. (p.138-139).

Ou seja, entender a base da sociedade era um problema de ordem fundamentalmente econômica, que se baseava no trabalho e nas relações de produção. Marx enxergava então uma base sobre a qual se erigiam as idéias (superestrutura). Foi assim que ele passou a ver a história, as mudanças das técnicas de produção (base) chegavam a um patamar que entrava em conflito com a superestrutura erguida, e daí, do conflito e das mudanças das bases produtivas, aconteciam as revoluções. Com o capitalismo, segundo Marx, não seria diferente: a base cada vez mais racional e interdependente da produção industrial se chocaria com o individualismo dos proprietários, e esse conflito levaria a sua superação.

Diferente dos socialistas utópicos, Marx tentava provar cientificamente as suas teorias, e não se contentava em deixá-las ao sabor das paixões humanas. Neste sentido, ele escreveu uma obra monumental, descrevendo cientifica e minuciosamente o sistema capitalista e mostrando que, inexoravelmente, dado suas próprias leis, o capitalismo estava condenado à extinção. Esta obra se chama “O capital”, cuja primeira parte foi publicada em 1865, mas ainda teria outras duas.

Em “O Capital”, Marx pôs a nu o sistema capitalista, e apresentou o conceito de mais valia, que é a parte do trabalho não paga ao trabalhador, a qual é apropriada pelo capitalista. Assim, a origem do lucro é a exploração do trabalho humano. Devido à concorrência com outros capitalistas, os proprietários procuram aprimorar as tecnologias, o que reduz a taxa de lucro (pois há redução de trabalhadores), e Marx tenta mostrar que esta tendência é geral.

Heilbroner, porém, chama a atenção para que o pilar de Marx, construído sobre a teoria do valor (valor-trabalho), talvez não seja a mais correta. Como o objetivo da obra não é discutir a teoria do preço e a teoria do valor, Heilbroner não se aprofunda no tema, o que é uma pena. No entanto, o autor apresenta a noção de Marx sobre o valor, baseado no trabalho abstrato, que seria o valor do trabalho socialmente considerado (o que é ligeiramente diferente às teorias clássicas de preço). Heilbroner também fala de como Marx previa as crises cíclicas do capital e de como também previu o capitalismo monopolista e imperialista.

Em suma, o capítulo sobre Marx é um capítulo denso, na medida de como merece este pensador, com pitadas descritivas sobre a situação do capitalismo no século XXI em diversos países, como Suécia, Rússia, Japão, Alemanha e EUA, só para ficarmos nos mais importantes.

Infelizmente, Heilbroner escreve um capítulo demasiadamente confuso logo em seguida, intitulado “O mundo vitoriano e os subterrâneos da Economia”. A proposta do autor foi descrever as teorias subjacentes a um estágio já praticamente maduro da Ciência Econômica, no entanto, devido a uma grande quantidade de autores apresentados, sem muita densidade, o leitor pode sentir-se meio perdido, como se o desfile de idéias tivesse passando em um ritmo muito rápido para a devida absorção. Fica a impressão que Heilbroner assim pretendia, uma vez que aqueles autores não representavam o mainstream da economia, cabendo-lhes o tratamento devido.

Francis Edgeworth (1845-1926) foi o primeiro a “desfilar” nesta passarela acelerada, o qual tratou de aproximar a Economia da Matemática, estudando diversas fórmulas estatísticas. Von Thünen (1783-1850) tinha sido um dos pioneiros, ao tentar esboçar uma fórmula para o preço justo do trabalho. Leon Walras (1834-1910) também tentou dizer o preço justo do mercado, e foi um dos criadores da teoria da utilidade marginal. Esses autores tem em comum um processo que Heilbroner chama de desumanização da economia política, uma vez que tentavam resumir os comportamentos e fenômenos econômicos a fórmulas matemáticas. Nas palavras de Heilbroner: “Sempre houve este submundo, um estranho de limbo de loucos e hereges, cujas doutrinas falharam na tentativa de atingir a estatura da respeitabilidade” (p.169)

Assim, Heilbroner cita com certo ar de ironia, por exemplo, Bernard Mendeville (1670-1773), que escreveu o clássico “Fábula das Abelhas”, uma crítica social ao mundo da retidão, contudo, na descrição de Heilbroner aparece apenas como mais um excêntrico. O mesmo foi percebido com Frédéric Bastiat (1801-1850), que é visto mais como um economista-humorista, e a passagem em que Heilbroner transcreve a petição que Bastiat criou, como um protesto às leis protecionistas, é realmente divertida. Porém, com mais um indicativo do Heilbroner moderno, tem-se a impressão de que o academicismo e o elitismo são discursos hegemônicos e mais confiáveis do que as outras formas de se transmitir uma idéia. Esses autores ficam no submundo, como diz Heilbroner.

Henry George (1839-1897) foi outro autor que ficou condenado ao submundo pela forma como se comunicava, e talvez um pouco pela sua vida aventureira, apesar de ter escrito idéias contundentes em relação a impostos e rendas sobre terra, sobre a qual veementemente criticava. Percebe-se claramente que Heilbroner adota uma linha de discussão que definitivamente o insere à luz da “modernidade”, pautado pela confiança na Ciência e no seu proselitismo, e este capítulo corrobora com essa tese. Quando fala sobre John Atkinson Hobson (1858-1940), um autor que, segundo Heilbroner, é mais eloqüente que os anteriores, ele se detém um pouco mais, analisando suas teorias do predomínio da poupança sobre o consumo e de como isso afeta o mercado, além de iniciar as idéias em relação ao imperialismo do século XIX sob a visão econômica liberal, que depois seria aprofundada por Lênin (1870-1924). Como exemplo dessa visão de Heilbroner, cito o seguinte trecho: “Se não está mais na moda dizer que a Primeira Guerra Mundial foi ‘puramente’ um conflito imperialista, não há dúvida de que uma de suas causas foi a corrida dos países imperialistas pela dominação mundial” (p.189). Ora, se o autor leva em conta algo parecido com “o que está ou não na moda”, percebe-se que o livro é escrito para aqueles que estão preocupados com o mundo do discurso dominante, teorias que, de certa forma são aceitas hegemonicamente pelos pares. Na verdade, esta característica pode ser boa, se considerarmos que o livro é dirigido aos iniciantes na Ciência Econômica, porém, pode mostrar-se como uma séria limitação se não se levar em conta um certo domínio crítico sobre os pensamentos majoritários.

Sentindo-se mais à vontade expondo idéias de economistas mais reconhecidos, Heilbroner recupera o tom nas últimas linhas deste capítulo, quando fala de Alfred Marshal (1842-1924). Este autor estudou o equilíbrio econômico, e mostrou a importância do tempo para a realização deste processo. Marshall apresentou um estudo em que demanda e oferta eram vistas em conjunto, sendo também considerado se em curtos ou em longos períodos.

Heilbroner, como se estivesse se redimindo, termina este confuso capítulo alertando para que não se ignore essas teorias do submundo da economia, pois revelam um olhar diferente do tradicional.

No capítulo seguinte, o leitor é presenteado com um apaixonante capítulo sobre Thorstein Veblen (1857-1929), com descrições até mesmo de certos galanteios vividos pelo autor em questão. O fato de serem conterrâneos, ambos americanos, talvez tenha contribuído para que Heilbroner escrevesse de forma apaixonada sobre as teorias de Veblen, e ainda apresentasse um pouco mais de sua personalidade. De qualquer forma, falar sobre os “novos-ricos”, a classe ociosa, ou perceber o dinheiro como um diferenciador social (muito mais do que uma posição mais ou menos fixa em relação às forças produtivas industriais), tudo isso torna interessante o estudo das idéias de Veblen.

Hoje em dia é mais fácil perceber o fascínio que o american way of life nos causa, especialmente por causa de Holywood. Mas Veblen foi um dos primeiros a mostrar, de forma crítica, os “excessos e exuberância que eram a essência da cena americana” (p.203). Sua análise econômica é, antes de tudo, uma análise social, percebendo as intenções dos atores. Era como se as desigualdades sociais e as buscas pelo lucro tivessem enrijecido a partir da própria realidade, mesmo desnudando-as. O que Veblen mostrava não era uma posição conservadora (longe disso), mas sim o fato de que os costumes eram algo a ser levado a sério. Seu principal trabalho foi The Theory of the Leisure Class (A teoria da Classe ociosa), em que expunha como certos indivíduos continuam se apropriando de bens, mesmo que não pertençam à classe produtora, mostrando um quê de irracionalidade ou sentimento que é o motivo da apropriação e ostentação. Quão longe é essa visão dos teóricos do século XIX, cujas lentes focavam num homem racional!

Assim, há todo um complexo sentimento de pertencimento a determinada classe, que sustenta a manutenção do status, mesmo entre a classe que, supostamente, deveria lutar pela Revolução: “As classes mais baixas não estão querendo brigar com as mais altas; estão presas a elas por intangíveis, mas fortes laços de atitudes comuns. Os trabalhadores não procuram destruir seus dominadores; eles procuram emulá-los” (p.217).

Parece despretensioso, mas Veblen chamava a atenção paras as relações na sociedade, que comprometiam tanto a estabilidade como as perturbações sociais. Assim, Veblen contribuiu para expandir a visão da economia sobre, principalmente, ciências como psicologia e antropologia, numa visão multidisciplinar.

Depois do livro recuperar o fôlego com Veblen, eis que surge um dos melhores capítulos da obra, tratando do economista John Maynard Keynes (1883-1946). E como não poderia deixar de ser, Heilbroner inicia a exposição num retrospecto histórico, para compreendermos a sociedade no início do século XX, até a famosa crise de 29. Dado este contexto histórico, Keynes é visto como um economista revolucionário na visão do mainstream, pois, diferente de Marx, ele não vislumbrava a dissolução do capitalismo; pelo contrário, suas obras faziam crer num capitalismo viável, e as medidas a serem adotadas, neste cenário de crise, apesar das críticas ferrenhas ao neoliberalismo, não destruíam a essência do sistema, o que contribuiu para que suas idéias fossem rapidamente acatadas, servindo como verdadeiros antídotos para os momentos de Depressão.

Keynes também tinha uma vida social bastante ativa. Na Grã-Bretanha, chegou a cuidar das finanças do Estado nos tempos de Guerra, além de participar de momentos históricos importantes, como por exemplo, à época do Tratado de Versalhes, dialogando com líderes políticos influentes, tais quais Roosevelt, ou mesmo dialogando com gênios da Ciência, como Max Planck. Tudo isso mostra que Keynes estava inserido numa rede social de alto padrão.

Seus primeiros trabalhos, em especial The Economic Consequences of the Peace, Tract on Monetary Reform e Treatise on Money, alcançaram grande prestígio, e este último, já mostrava algo muito importante: “o curso normal do comércio parece evidenciar uma sucessão de expansões e contrações, como se fossem ondas sucessivas, que pode comparar com uma espécie de respirar econômico” (p.244). Keynes expunha o perigo de se romper com o fluxo de renda, o qual era, basicamente, a medida usada quando o dinheiro passava de mão em mão, dinamizando a economia, porém, entrava em choque quando se atingia um nível de poupança, pois significava que parte da renda não era investida nos mercados: “Se nossas poupanças não forem investidas por empresas com negócios em expansão, nossas rendas vão declinar” (p. 248). Neste trabalho, Keynes acreditava que o próprio sistema iria buscar o equilíbrio entre os níveis de poupança e investimento: “Quando as poupanças ficam abundantes demais, tornam-se mais baratas para serem emprestadas e, portanto haveria incentivo para os investimentos nos negócios. A economia iria se contrair, diz a teoria, mas com certeza depois voltaria a crescer.” (p.250).

Porém, este ciclo não aconteceu na Grande Crise. Keynes daria a resposta na sua obra-prima: The General Theory of Employment, Interest and Money. Neste grande trabalho, Keynes desfaz a projeção de equilíbrio que havia feito anteriormente, e assume que são os investimentos, mesmos estes sendo uma medida instável, que vão gerar a prosperidade. Se a sociedade civil chega a um baixo nível de investimentos, caberia ao Estado promovê-lo.

Nos dias de hoje, mesmo se levarmos em conta a onda neoliberal, ver o Estado como investidor pode soar apenas como desconfiança, e somente para alguns como uma afronta, embora nunca possa parecer uma ação insana. Entrementes, no começo do século XX, essa afirmativa botava em cheque a noção até então construída de propriedade ou do próprio governo. Esse tipo de pensamento intervencionista realmente entrou em vigor com a chamada política do New Deal, no governo do presidente norte-americano Franklin Roosevelt, em 1933, e para espanto dos mais conservadores, realmente combateu os efeitos da Grande Depressão.

Mesmo assim, o sistema ficava vulnerável a níveis de inflação e desemprego, mas agora o Estado possuía em suas mãos um grande poder em manipular importantes políticas macroeconômicas. Estaria aí o germe do socialismo? A burguesia poderia temer essa onda intervencionista? Bem, como já foi dito, as idéias de Keynes, embora perturbadora aos mais conservadores, se ajustavam perfeitamente à manutenção do sistema, o que contribuiu para uma grande aceitação.

De qualquer forma, Keynes revolucionou o modo de se perceber a Economia, aliada a grandes agregados e às atividades políticas intervencionistas. Vasconcellos (2011) chega a afirmar que a Macroeconomia nasceu com Keynes.

Para finalizar a apresentação dos filósofos profanos, Heilbroner adentra nas teorias de Joseph Schumpeter (1883-1950), o qual estudou os ciclos do capitalismo com mais propriedade, nos fornecendo uma aguçada visão crítica. Schumpeter era o típico teórico de Academia, tinha uma vida política menos movimentada do que Keynes, pelo menos até a Primeira Grande Guerra, quando começou a se envolver com o governo, mas sua vida na Universidade sempre foi de bastante brilhantismo, desde os tempos de aluno.

Estudando os fluxos de lucro, Schumpeter atribui a fonte de lucros aos grandes investidores, consagrando-os com a expressão “Empreendedores”. Embora tenha sido a obra The theory of Economic Development que lhe dera notoriedade, foi com Business Cycles: A Theoretical, Historical, and Statistical Analysis of the Capitalist Process, de 1939, que Schumpeter atingiu maior reconhecimento, na qual descreveu os ciclos do capitalismo (na sua visão, seriam três, um mais curto, outro um pouco mais longo, e outro mais longo ainda associado às grandes inovações).

No entanto, sua grande obra foi publicada em 1942, chamada Capitalism, Socialism and Democracy, onde integra suas teorias econômicas a uma análise social, estudando, dentre outros temas, a intervenção dos partidos políticos na vida democrática. Mas é a sua visão da ideologia burguesa que chama a atenção, muito mais voltada a um modo de pensar ou estilo de vida (centrado na figura do burguês), centrada numa análise eminentemente sociológica, percebendo o poder das elites e de seus valores através do tempo. Heilbroner, infelizmente, não consegue desencadear logicamente este passeio na mentalidade, e isto porque ele é um economista nato, e, aqui, estava descrevendo uma análise quase antropológica sobre a visão de mundo sob a ótica burguesa. No entanto, Heilbroner consegue passar a mensagem principal dos escritos de Schumpeter, que é de perceber como a personalidade se liga a um gerenciamento institucionalizado, e os valores se engessam até que sejam novamente rompidos. Este é um desfecho magistral, pois resgata a idéia de ciclos, e vê o futuro do capitalismo sob uma ótica de possibilidade, tanto o sistema pode ruir-se como se perpetuar, cabendo ao desencadeamento das idéias sociais ditar os rumos do capitalismo. Percebem-se aqui as fortes influências nos escritos de Schumpeter: uma delas é Veblen (como já fora visto), e a outra é de um autor que Heilbroner cita apenas no final de seu livro, como indicação, o sociólogo e economista Max Weber, o qual se preocupa justamente com a questão mais cultural, de forma a compreender o impacto das mentalidades nos aspectos econômicos.

O último capítulo, intitulado “Além da Filosofia Profana”, é um retrospecto das idéias apresentadas, mostrando também alguns outros autores contemporâneos e influentes. Aleatoriamente, Heilbroner expõe a forma como os pensadores apresentados viam-se uns aos outros (por exemplo, Schumpeter via Smith e Marx como brilhantes pensadores que se tornaram burocratas demais), mas as exposições de idéias dão a impressão de não seguirem nenhuma lógica, exceto o das especulações do próprio Heilbroner. No entanto, ele recupera sua argumentação quando faz a seguinte indagação: qual o poder de previsão da economia?
Aqui, Heilbroner nos fornece uma visão mais realista do economista, expondo suas limitações quanto à imprevisão dos adventos da tecnologia, dos rumos da história, ou em prever o comportamento humano. Se desde Adam Smith o mercado foi, aos poucos, tornando-se menos auto-regulado, Heilbroner encerra mostrando a importância da economia política e das grandes narrativas construídas pelos economistas apresentados, mesmo reconhecendo que não há mais espaço para grandes narrativas.

Reforçamos, então, a argumentação inicial: Heilbroner é um autor eminentemente moderno. Ele próprio se percebe no limiar, falando de grandes narrativas ou sistemas, de grandes autores preocupados com modelos de compreensão social. Numa visão pós-moderna, há a crítica direta aos grandes discursos, e a ênfase recai sobre as relações de poder, sobre quem se fala e não sobre o quê se fala. Michel Maffessoli (1944), sociólogo francês da pós-modernidade, descreve justamente as características deste mundo pós-moderno: ascensão das aparências, do formismo, um desejo estético tornando o real fenomenal.

É neste mundo que os economistas do século XXI vivem, onde impera um capitalismo de especulação. A obra de Heilbroner é uma tentativa bem sucedida de se compreender os caminhos percorridos pelo capitalismo, e certamente deve ser indicada ao estudante iniciante. Heilbroner está consciente de que seu livro não trata os temas levantados de forma aprofundada, até porque não é essa a proposta da obra. Por isso, ele aponta uma série de referências no apêndice da obra, que certamente despertará a curiosidade do leitor mais interessado.

Ao terminar a leitura, fica a sensação de que ainda há muito a ser explorado no universo da Economia. De fato, não é que o capitalismo esteja mais complexo do que antes, mas certamente aprimoraram-se os modelos interpretativos específicos sobre este modo de produção, e sobre as relações econômicas em geral. E onde reina a aparência e o “inchaço” de interpretações, paradoxalmente, é onde mais se demanda a compreensão a cerca da manutenção de nossa sobrevivência que, dada a multi-disciplinariedade das ciências no mundo contemporâneo, não é mais exclusividade da Economia, porém, seu uso se torna claramente indispensável.



REFERÊNCIAS

GAARDEN, Jostein. O Mundo de Sofia. São Paulo, Cia. das Letras, 4 ed., 1995.

HEILBRONER, Robert. A História do Pensamento Econômico. São Paulo, SP: Nova Cultural, 1996.

MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

SAINT-PIERRE, Hector Luis. Max Weber: entre a paixão e a razão. - Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2004.

TAHAN, Malba [Júlio César de Mello e Souza]. O Homem que calculava. 32. ed. Rio de Janeiro: Record, 1986.

VASCONCELLOS, Marco Antônio Sandoval de. Economia: micro e macro. 4ed. São Paulo: Atlas, 2011.

Um comentário:

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