Do resenhista...

Do resenhista: Sociólogo de Formação, mestrando em Ciências Políticas e graduando em Ciências Econômicas, todos pela UFPA. Amante de cinema e dos jogos de Pokémon! Nascido e domiciliado em Belém do Pará.

sábado, 28 de janeiro de 2012

James Green - Além do Carnaval


Resenha da obra “Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX”.

1.       INTRODUÇÃO
Ao examinar as várias formas pelas quais homens que experimentam o erotismo e relacionamentos homossexuais negociam numa sociedade hostil, este projeto também historiciza e contextualiza a crescente visibilidade do homem homossexual no carnaval e nas incomparáveis manifestações de ambigüidade de gênero cujo modelo exemplar é o admirável fenômeno da persona camp de Carmen Miranda e seus imitadores masculinos. (p.41-42)

O professor de História e militante ativista do movimento gay, James Green, lança no ano 2000 a obra que pode ser a mais importante da sua vida: “Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX”, contando a história da homossexualidade entre homens, especialmente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, do final do século XIX ao início da década de 80.
Embora centrado nas duas cidades brasileiras economicamente mais importantes, o autor pondera os limites da pesquisa, não se estendendo a outros importantes centros (em particular no Nordeste), bem como sendo limitado a áreas urbanas (o autor humildemente reconhece que falta uma investigação mais aprofundada nas áreas rurais). O autor também não adentra na polêmica questão da AIDS, nem no nascimento do movimento político gay, situados nas décadas de 80 e 90. Ou seja, se o leitor se guiar apenas pelo título da obra, a qual abarca a homossexualidade “brasileira” e ainda no “século XX”, pode ficar desapontado com a obra. No entanto, guardado o devido limite, Green consegue uma investigação satisfatória sobre a construção histórica da identidade gay.
A divisão temporal dos períodos analisados no livro foge à clássica divisão onde se levam em conta as eras políticas (Vargas, redemocratização, ditadura militar etc). Ao longo desta resenha iremos melhor pontuar o caminho cronológico de Green.
A imagem da cantora popular Carmen Miranda, no filme Banana da Terra (1938), sendo imitada por homens e mulheres, é o que introduz o leitor ao universo da obra. Tal imagem não podia ser melhor selecionada: carrega a dubiedade das relações de gênero, bem como a metáfora do carnaval que esconde uma aparente aceitação de tais papéis. Fortemente influenciado por Da Matta (em “Carnavais, Malandros e heróis”), Green traz à tona não somente o desafio de quebrar as regras rígidas dos papéis de gênero, mas o próprio reforço a tais padrões, com uma suposta tolerância a homossexualidade. Sua tese pode ser assim resumida: “As imagens contraditórias das festas permissivas do carnaval e a brutalidade dos assassinatos são alarmantes, assim como as tensões ente tolerância e depressão, aceitação e ostracismo estão profundamente arraigadas na história da cultura brasileira” (p.26). De fato, Green chegou mesmo a registrar brasileiros que pediam asilo político ao exterior, para fugir da discriminação à orientação sexual. E esta ainda se baseava fortemente nos papéis de masculino e feminino.
Peter Fry, que também assina o prefácio, é citado pelo autor na famosa tese de identidades binárias, típica do povo brasileiro: bicha/bofe, marcado pelo ativo/passivo. Esta representação, embora abarque os sujeitos, não era, de todo, vista sem resistências. Green pretende analisar as nuances culturais envoltas da subcultura gay nascente, já por volta da década de 60 quando esses elementos tornaram-se mais claros, especialmente com o processo de urbanização. No entanto, cabe a importante ressalva: como sua fonte de pesquisa baseia-se fortemente em escritos de médicos e criminologistas (especialmente na primeira metade do século XX), a pesquisa tende a traçar um panorama sob perspectiva das classes menos favorecidas, alvos principais da polícia e das políticas de saúde. Entretanto, o autor também se utiliza de certos periódicos (especialmente na segunda metade do século XX, destaque para o Lampião) ou mesmo de entrevistas com os próprios homossexuais, sendo o autor um próprio ativista, o que facilitava o acesso a tal rede.
Os capítulos seguem a divisão cronológica adotada por Green. No primeiro, “os prazeres nos parques do Rio de Janeiro na belle époque brasileira, 1898-1914”, Green narra a construção da identidade homossexual (pederasta), no Rio de Janeiro da época, em torno da Praça Tiradentes, Praça da República, Teatro São Pedro e Lapa. Em todos os capítulos o autor inicia com um breve resumo do contexto histórico da época, narrando os principais fatos oficiais do período. Neste capítulo, Green chama a atenção para o processo de urbanização e higienização do centro do Rio, um projeto de elite (“O Rio era promovido como uma versão tropical da moderna Paris”), o qual não deixou de expurgar dissidentes, entre os quais os “pederastas” e “efeminados” (nomes dados para designar os homossexuais).
A área reservada ao encontro dos homossexuais era conhecida como Largo do Rossio, envolvendo também prostituição. Green chama a atenção para o fato de que a homossexualidade não era considerada crime, no entanto, os homens que buscavam sexo com homens podiam ser acusados de: “attentar contra o pudor”; “atentado público ao pudor”; “uso de nome supposto” (travestir-se era ilegal); “vadiagem”. Assim, ficavam evidente os múltiplos mecanismos os quais as autoridades podiam se servir para repreender a atitude homossexual.
Essa perseguição também se ligava ao projeto elitista da cidade, afastando não apenas indigentes, mas também afro-descendentes. Vale destacar que era considerável o número de pessoas da classe média que procuravam prostitutas na área, o que serviu para que a polícia fizesse vista grossa ao local. Levando em conta também o processo de urbanização, tem-se um quadro onde a homossexualidade ficara associada à: prostituição e ao termo “fresco” (remete à urbanização). De qualquer forma, com a homossexualidade ainda presa à s representações de gênero. De fato: “Costureiros de grife, cabeleireiros da moda e travestis famosos que se têm conformado às idéias normativas do feminino conseguem cavar um nicho protegido entre a elite, desde que aparentem reforçar as representações tradicionais do feminino ou do efeminado” (p.104).
Green também investiga os primeiros escritos a trata sobre o tema: charges pornográficas na revista Rio Nu (a qual não era exclusivamente homoerótica); contos homoeróticos (como “O menino do Gouveia”) ou mesmo o romance Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha. Nesses escritos ficava evidente a construção do “fanchono”, o homem masculino que deseja relacionar-se sexualmente com homens femininos, o que indica a construção das identidades centradas no papal de gênero (fanchono e fresco, remetendo respectivamente ao masculino e feminino). Outro escrito importante foi o de João do Rio, pseudônimo de um escritor que relatara a arte de flertar e caminhar pelas ruas à procura de contatos (o chamado “footing”). Em Bom crioulo ainda se punha a questão da raça e do paradigma grego da homossexualidade (quando homens mais velhos seduzem garotos para obter prazer sexual ou mesmo lhe dar conselhos). No entanto, Green faz uma afirmação polêmica ao insinuar que Caminha adotou uma visão unilateral do homoerotismo, uma vez que o romance centra as relações de forma clandestina e com final trágico. Na verdade, é difícil sustentar tal argumento, uma vez que o próprio Green, na seção seguinte, fará uma exposição contundente acerca do trato médico em relação aos homossexuais.
De fato, a seção seguinte é particularmente densa, tratando os homossexuais como um problema social e portadores de doenças a serem corrigidas. Green analisa uma série de estudos médicos da época. É uma parte da obra muito bem documentada, que se valeu de estudo de casos reais. Para se ter uma idéia do teor das discussões, uns chegavam a afirmar eu não havia pederastas passivos e ativos na classe alta, ao passo que outros afirmavam que este mal era perceptível em todas as classes sociais. O que fica patente é que “grande parte da descrição dos aspectos da vida dos sodomitas e pederastas no Rio de Janeiro do fim do século XIX e início do século XX depende do olhar dos médicos, chargistas e romancistas observadores do Rio antigo, e não da voz autêntica dos próprios homossexuais” (p.105-106)
O segundo capítulo, “sexo e vida noturna, 1920-1945”, mostra como os homossexuais viviam sua sexualidade num ambiente hostil. Uma curiosa observação diz respeito à desaprovação da sociedade da época com as “crescentes práticas da homossexualidade”. Comparando com os dias de hoje, onde muitas pessoas julgam haver uma crescente onde de comportamentos homossexuais, fica fácil perceber que esse sentimento perpassou todas as épocas, o que tem mais relação com uma sensação a nível cultural e ideológico do que propriamente uma verdade objetiva.
A subcultura da época mostrava que o comportamento homossexual transgredia aos papéis de gênero (o caso de Madame Satã, pederasta passivo e masculino, é exemplar). Mas a percepção majoritária, que associava homossexualidade ao feminino, tem explicação:
Tendo em vista a própria afirmação do criminologista de que os alvos de sua pesquisa eram homossexuais “profissionais”, é possível que a polícia apenas visasse homens vestidos de modo extravagante ou obviamente efeminados, que andassem pelas ruas do Rio de Janeiro nas conhecidas áreas de interação homossexual. A representação exagerada desses homens nos registros criminais indica que eles eram os mais suscetíveis de serem presos. A prisão deles, por sua vez, estava de acordo com os estereótipos sociais que equiparavam a homossexualidade com a efeminação. (p.132)
Assim, ficou patente a divisão entre efeminados e “homens verdadeiros”. Também é dessa época a difusão do termo “viado” e “bicha” (ao que tudo indica, um termo endógeno à subcultura homossexual, aparentemente do francês biche, que significa o feminino de veado). Também nesta seção o autor aborda um pouco mais a cidade de São Paulo, citando a Semana da Arte Moderna e os espaços daquela que seria a maior metrópole do Brasil.
Green narra as influências do cinema (as quais deram uma série de referências estéticas), bem como o tabu em torno da virgindade das mulheres, para traçar um panorama onde a sexualidade do homem, se por um dado forçava o encontro para outros homens, florescia em um complexo ambiente. O autor mostra como era limitante o modelo ativo/passivo, homem/bicha adotado pela visão oficial.
O terceiro capítulo intitula-se “Controle e cura: reações médico-legais” e parece mais um denso compêndio do capítulo segundo. Trata-se de um exame mais cuidado do discurso médico oficial, com exposição de métodos propostos para conter, controlar e curar tal “doença social”. Tais estudos travavam a homossexualidade a partir de um viés biologizante, valendo-se da criminologia e da antropologia clínica. É estranho observar como o historiador se deteve amplamente em tais questões, no entanto, tal análise é feita de forma bastante salutar, com críticas e visões apropriadas à proposta da obra. Um exemplo é o fato de intelectuais ignorarem a obra de Gilberto Freyre (“Casa grande e Senzala”, sobre as relações raciais desde o Brasil colônia, incluindo relações sexuais), fazendo com que Green evidencie o fato da elite ter a Europa como referência e também certo olhar racista.
A extensa leitura de tal capítulo remete à obra “História da sexualidade”, de Foucault, o qual chama a atenção para a série de dispositivos criados sobre a sexualidade. Green narra o papel dos criminologistas, médicos, juristas, instituições públicas e privadas, enfim, uma série de instituições que tentam estabelecer um “direito de verdade” (termo Foucaultiano) sobre a homossexualidade, incluindo os métodos de internação, medicação e tratamento de choque. Tal perspectiva permaneceu hegemônica até a década de 70, em que pese um declínio de tais escritos a partir da década de 40. Green atribui o declínio a dois fatores: primeiro, a Guerra na Europa impediu a “importação” de tais idéias; segundo, o jeito brasileiro de qualificar um homossexual, tomando como base seu papel de gênero, e não o seu objeto sexual, pareceu ir se diluindo com o passar dos anos
A obra retoma o fôlego no capítulo 4, intitulado “Novas palavras, novos espaços, novas identidades, 1945-1968”. Green finalmente retoma o fio sócio-antroplógico e expõe o nascimento de uma subcultura gay no Rio de Janeiro e em São Paulo. Para tal, já contava com entrevistas de próprios homossexuais, bem como com as nascentes fontes escritas direcionadas especificamente ao público gay, como a revista O Snob.
É desta época, especialmente no início dos anos 60, que temos a explosão de casas noturnas, bares, fãs-clubes e praias onde homens que procuravam outros homens poderiam ser vistos mais facilmente. Evidentemente, a concentração de homens com tal propósito implicava uma série de tensões, principalmente quando confrontados com jovens “machos”. De qualquer forma: “a identidade daqueles que circulavam no centro da cidade deveria permanecer dentro desse mundo homossexual. Embora eles pudessem comentar sobre outros que eram vistos nessas áreas específicas, a informação não era passada a pessoas de fora do meio” (p.278).
Também foi a época em que houve muito das desconstruções das noções de gênero. Uma das mais curiosas refere-se ao fato de homossexuais supostamente “passivos” tornarem-se os que procuram ativamente conseguir a relação sexual, ou seja, os chamados “ativos” assumiriam o papel do conquistado. “Em grande medida, a construção boneca/bofe predominava entre homens das classes pobres e operárias, enquanto muitos homossexuais da classe média não mais estruturavam os papéis sociais de modo a imitar o comportamento heterossexual normativo de gênero” (p.301).
Também dessa época começava a se falar em uma família de casais homossexuais, bem como adoção, mesmo que a visão prevalecente era a de que tais casais ainda eram considerados algo abominável. Em um livro particularmente cheio de preconceitos, “Homossexualismo masculino”, considerando a homossexualidade de forma negativa, Jorge Jaime defende sua visão com estranhos argumentos: “o casamento homossexual reduziria a exploração de homens jovens, a chantagem e a prostituição masculina. Além disso, o ato público do casamento comunicaria a anormalidade do casal e também evitaria que mulheres jovens e inocentes se casassem com homossexuais” (p.285).
Green também chama a atenção para um termo muito conhecido entre sociólogos, a “sociabilidade”, o que inclui a participação dos indivíduos homossexuais em grupos que reforçam positivamente tal identidade. É por este aspecto que devemos compreender o termo “entendido”: “o termo identificava indivíduos (como homossexuais) e lugares (onde eles se congregavam), enquanto mantinha outros (supostamente os não-entendidos) como pessoas que não conheciam o conteúdo real da referência” (p.292). Além disso, o termo era sinônimo de um homossexual que não assumia um papel de gênero especificamente masculino ou feminino.
Os domínios públicos sofriam uma série de retaliações (acentuadas com o regime militar), portanto, percebe-se que esta sociabilidade, na década de 60, era exercida principalmente em locais privados. Já no final da década, mesmo com o regime militar (Green argumenta que o regime não centrou-se diretamente em perseguir homossexuais, uma vez que eles não estavam diretamente ligado às questões políticas mais centrais), percebe-se um aumento nas redes de sociabilidade pública. Também é do final da década a criação da Associação Brasileira da Imprensa Gay (ABIG) e de outros periódicos. Um dos colaboradores de O Snob resume o que Green vem mostrando:
Agildo mais tarde recordou que muitos membros do grupo também se afastaram porque uma quantidade maior de bares gays foi inaugurada no fim dos anos 60. Com maiores opções de entretenimento disponíveis aos membros do grupo, a função de O Snob como rede social ficou reduzida. Em vez de freqüentar festas íntimas com amigos, muitos preferiam ir a clubes noturnos (p.314).
No capítulo 5, intitulado “a apropriação homossexual do carnaval carioca”, o autor não expõe muitas novidades, optando por aprofundar-se no tema do carnaval, o qual já havia exposto no prelúdio da obra.
O autor cita a obra de Da Matta para compreender a inversão que há, no carnaval, entre o domínio da casa e da rua, onde o povo pode transgredir as classes sociais para expressar a communitas. Também questiona a performance de gênero e os seus padrões, os quais ora se intensificam ora tornam-se rígidos: “as imitações camp de mulheres, com seu vestuário exagerado, seus enchimentos excessivos e sua divertida bufonaria podem no fim de tudo reforçar os estereótipos de gênero tradicionais, diminuindo a força ou eliminando completamente a eficácia da paródia enquanto crítica de normais sociais rígidas” (p.337).
Bailes, desfiles, escolas de samba. Tudo passou pelo olhar de Green, com um material farto para que o leitor se sinta vivenciando as tensões provocadas pelo carnaval àquela época. Pode-se dizer que a presença dos homossexuais tornou-se parte integrante das atividades carnavalescas, e de certa forma a sociedade brasileira como um todo enxerga o homossexual com um aspecto muito parecido de um travesti (colorido, brincalhão, debochado, feminino) em carnaval, ou seja, com uma imagem estereotipada. Curiosamente, portanto, temos que:
Os travestis, e por extensão todos os homossexuais, incluindo transexuais, podem ser tolerados se estiverem de acordo com os estereótipos masculinos da mulher com as marcas de gênero apropriadas. Na medida em que o homossexual em questão fosse uma mulher sexy, glamourosa e sofisticada que aspirasse ganhar respeitabilidade heterossexual, ele poderia ser acolhido no seio da sociedade brasileira. (p.372)
Surge, portanto, a figura do transexual (muito oportuna pelos avanços da medicina), não como meras paródias do sexo oposto, mas como mulheres de verdade. Rogéria é um desses novos indivíduos citados por Green. É sem dúvida um capítulo apaixonante.
O próximo capítulo, porém, é escrito com caráter essencialmente político, o que não poderia ser diferente se pensarmos que se inicia justamente á época do aumento da opressão do regime militar. Intitula-se “abaixo a repressão: mais amor e mais tesão, 1969-1980”.
Logo no começo do capítulo, Green já assume o tom das próximas páginas: “Em 1978, um pequeno grupo de intelectuais do Rio de Janeiro e de São Paulo fundou o Lampião da Esquina, um tablóide mensal de ampla circulação dirigido ao público gay. Muitos meses depois, um grupo de homens em São Paulo formou o Somos, a primeira organização pelos direitos gays do país” (p.395).
Bares, discotecas, cinemas e saunas continuavam a proliferar, até porque nunca ficou provada a ligação entre homossexualidade e ideais de esquerda, uma vez que era este o alvo do regime militar. Além do mais, a tolerância vingava se os gays ficassem enclausurados em ambientes fechados (permitindo-se apenas no carnaval certa liberdade).
Green também resgata uma série de discursos de esquerda da época que tomavam os homossexuais como indivíduos cujos ideais lhes eram contrários: diziam que os homossexuais desvirtuavam o foco da questão:
Os estudantes gays se queixavam de que a esquerda brasileira era homofóbica. Estudantes de esquerda que apoiavam Fidel Castro e a Revolução Cubana argumentavam que combater temas específicos, como sexismo, racismo e homofobia, iria dividir o crescente movimento contra o regime militar. (P.433)
Foi a época de uma série de personagens andróginos, artistas, intelectuais e pessoas bem sucedidas mostrarem a sua “verdadeira” identidade. “Cada vez menos indivíduos tinham restrições para assumir sua orientação sexual” (p.424). Havia um senso de contracultura, dada a perseguição do regime militar. Vale dizer que as perseguições foram se afrouxando ao longo da década de 70. O termo gay também invadiu o Brasil, fruto dos movimentos norte-americanos. De fato, Green retrata uma sociedade brasileira já inserida no modelo de sociedade da informação, cuja imagem e os movimentos da minoria se fazem soar: “a nova abordagem da imprensa na década de 1970 contrastava de forma gritante com a década anterior” (p.421).
Trata-se de um processo eminentemente urbano, onde se proliferavam discursos a favor de uma homossexualidade positiva: críticos de cinema, artistas, intelectuais, enfim, vozes de mais variados grupos sociais se sentiam mais livre ao abordar a questão, inclusive no meio acadêmico. “Em vez de se apoiar nos escritos médico-legais das décadas de 1930 e 1940, esses autores em geral apresentavam a idéia de que a homossexualidade era apenas um entre muitos diferentes comportamentos sexuais possíveis, e não uma patologia” (p.433)
Como acentua Green, fica a impressão de que “o recém-formado movimento de gays e lésbicas parece ter sido amplamente desprezado pelo braço repressivo do Estado” (p.435). De qualquer forma, Green encerra sua exposição mostrando o nascimento de tal movimento.
Como já fora pontuado, Green não avança nas questões da década de 80 e 90, como a AIDS, os novos direitos ou até mesmo o nascimento de um forte discurso antigay provocado por setores fundamentalistas das Igrejas cristãs, em especial os neopentecostais. Contudo, o leitor, em “Além do Carnaval”, tem em mãos o que, até agora, se constitui na mais rica pesquisa histórica sobre a homossexualidade masculina já feita no Brasil.

REFERÊNCIAS

GREEN, James. Além do carnaval: A homossexualidade masculina no Brasil do século XX. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

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